quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Portugal ou a Federação Ibérica

Documentos para História

Los que en Madrid han bullido y bullen en la politica, suelen conocerla algunos; pero la callan por interés
Antonio Pirala in História de la Guerra Civil

A desagregação do Estado espanhol tem vindo a ser defendida dos dois lados da fronteira que muitos afanosamente procuram eliminar de vez. De um e do outro lado, surgem adeptos da destruição do actual Estado espanhol, para o que alguns - aliás, lucidamente - entendem ser útil o derrube da Monarquia. Volta a sonhar-se com a velha construção da Federação Ibérica, que finalmente integre e submeta Portugal.
A Federação Ibérica tanto interessa a Paris e Berlim, como aos nacionalismos de Espanha. A Paris e Berlim interessa porque, derrubando a Monarquia, diminui o papel da Espanha no seio da «Hispanidad», confinando-a a um fragmentado espaço peninsular e europeu. Aos Catalães e Bascos porque permite afirmarem-se mais perante a força centrípeta de Madrid. Ao nacionalismo espanhol, porque agrega Portugal e espera controlar a partir de Madrid as forças centrífugas excessivas; e se um dia o Estado federal europeu acabar (o que não é impossível), fica pelo menos feita a união política da Península. Há ainda quem pretenda ver mais longe: depois do superestado europeu, virá um dia o superestado mundial, o grande Leviatão.

O projecto da Federação Ibérica tem hoje em Espanha um protagonista muito activo: chama-se Carod-Rovira, fala em catalão, é Nacional-Socialista, e, sinal dos tempos, faz jus ao Sinibald de Mas de meados do século XIX, no pendor para tentar seduzir através de linguagem financeira. Em Portugal, Carlos Monjardino e Mário Soares estão já sentados na primeira fila. Eis alguns documentos para a História desta última operação do Imperialismo Europeu:


- Carlos Monjardino e Maria do Carmo de Dalmau, "Rumores que vêm de Espanha", Expresso, 17 de Janeiro de 2004;
- Mário Soares, “A nova Espanha”, Expresso, 24 de Abril de 2004;
- Jordi Joan Baños, La Vanguardia, 21/01/2005;
- Helena Matos, "A Natureza do Mal", Público, 29 de Janeiro de 2005.

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Carlos Monjardino e Maria do Carmo de Dalmau, "Rumores que vêm de Espanha", Expresso, 17 de Janeiro de 2004.

«Portugal deve diversificar pontos de apoio e cumplicidades em Espanha, não se limitando à visão arcaica e retrógrada das relações bilaterais entre Lisboa e Madrid.»

DIAS depois das últimas eleições legislativas na Catalunha - nas quais, recorde-se, o facto político a destacar é a existência de uma ampla maioria parlamentar que pretende modificar o actual «statu quo» constitucional espanhol -, o Rei Juan Carlos e Jordi Pujol protagonizaram um aparte que teve um enorme relevo mediático e, em nosso entender, um significado político de grande importância. Contam os círculos íntimos do então presidente da Catalunha que, à pergunta «E agora, Jordi?» que lhe formulou o monarca, este lhe respondeu: «Agora, Majestade, já não é comigo!»

Com efeito, com a saída de cena de Jordi Pujol, a Espanha encerra definitivamente a página da transição política iniciada com a morte de Franco, que ficou marcada pela consolidação da democracia, a modernização económica e a plena adesão do país à Europa comunitária. No entanto, a preocupação expressa pelo Rei Juan Carlos, assim como a resposta de Jordi Pujol, possuem outro significado, o que porventura maior transcendência política tem, tanto para o futuro da Espanha como para o de Portugal e para o conjunto da Península Ibérica.

Feito o balanço sobre os últimos 25 anos da história de Espanha, forçoso é concluir que a única questão, à qual a denominada «transição política» não deu uma resposta satisfatória, foi sem dúvida a do modelo de convivência entre as diferentes nacionalidades que compõem o Estado espanhol. O resultado das eleições catalãs - e não tanto o tipo de governo que se formou posteriormente - revela na actual realidade catalã, e pela primeira vez, uma clara vontade de forçar o Estado espanhol a modificar sem demoras o marco político-constitucional vigente, a fim de dar resposta ao desejo desta Comunidade de poder dispor de um maior grau de autonomia económica e política dentro do Estado espanhol. Acresce que as forças políticas catalãs, na sua grande maioria, equacionam pela primeira vez e sem complexos a possibilidade de uma ruptura com o Estado espanhol, caso essas pretensões não venham a ser atendidas. Embora o contexto político catalão seja diferente do que se vive no País Basco, já são duas as Autonomias que estão dispostas a assumir um confronto aberto com o poder central. Ouvem-se também vozes tímidas que se levantam na Andaluzia, e não é de descartar que a paz que se vive na Galiza esconda profundos desígnios de mudança.

Face a este novo contexto político espanhol, Portugal deve estar atento - na primeira fila, como bem disse Eduardo Lourenço - ao debate político entre o poder central espanhol e os diferentes poderes que emanam das suas periferias. Mas não basta a Portugal saber escutar. É necessário saber interpretar os registos, relacioná-los, montar um dispositivo atento e activo - e não «distraído» - e sobretudo saber reagir, rapidamente e no interesse próprio, aos diferentes cenários que se produzirão em função da evolução desses registos.

Não consideramos que se preste um bom serviço ao nosso país decretando, oficialmente, que a época da «desconfiança histórica» ou da «azeda ignorância» terminou, sem mais, sem oferecer alternativa à crença cega que persiste teimosamente entre as elites portuguesas de que a vizinha Espanha é, e será sempre, aquilo que se ambiciona, pensa, planifica e decide no perímetro político, económico e sociológico de Madrid. Sobretudo quando sabemos que a defesa da nossa comunidade de interesses deve, necessariamente, passar por conhecer e gerir com inteligência e subtileza a complexidade de um Estado que está composto por diferentes identidades e culturas e que, de tanto ser pressionado pela soberba de Castela, corre sérios riscos de perder os pontos de apoio periféricos e de retrair-se ao seu centro sociológico. Esta é a Espanha real que o imaginário português persiste em ignorar.

Queremos acreditar que o facto de Portugal ter dado até hoje preferência e relevo às relações Lisboa-Madrid se deve apenas ao desconhecimento que ainda hoje perdura no nosso país em relação ao país vizinho. Que os recentes movimentos derivados das eleições catalãs, e mais latamente os «rumores» que vêm de Espanha, sirvam pois para que Portugal - o conjunto da sociedade portuguesa - rectifique esta estratégia errónea e assuma de vez que a defesa dos seus interesses em Espanha passa, necessariamente, por multiplicar e diversificar pontos de apoio e «cumplicidades» na real geografia política espanhola. E deve fazê-lo sem complexos, com determinação e imaginação. Com ânimo de batalhar pela defesa dos interesses nacionais. Ninguém certamente o fará por nós.

É por esta última razão que consideramos que Portugal deve ser mais arrojado e aproveitar esta nova conjuntura política espanhola para modificar profundamente as suas relações com o país vizinho. Não temos dúvidas de que a Espanha inicia hoje a sua segunda transição política, que deverá desembocar, para o bem de todos, num novo modelo político de convivência entre regiões e nacionalidades. E também não temos dúvidas de que esse mesmo modelo deixará de ser unipolar, centrado na megalopólis política e económica em que se transformou Madrid nestes últimos anos, para passar a assentar sobre um modelo político e económico multipolar, de base federal, estruturado com fundamento num compromisso de convivência e solidariedade entre o Estado espanhol e as nacionalidades e autonomias que o compõem.

E, face a este cenário, é indispensável que Portugal se assegure de que é a Península Ibérica, no seu todo, que se construirá como um espaço económica e politicamente equilibrado e solidário. Nessa perspectiva, e apesar de não sermos actores do processo constituinte da Espanha do futuro, não podemos ficar de braços cruzados à espera dos seus resultados, quando o que se discutirá no país vizinho - que representa ¾ do espaço ibérico - não é nada mais nada menos do que o novo conceito de solidariedade entre regiões e nacionalidades espanholas. Ninguém tem dúvidas de que não estará em cima da mesa o debate sobre a solidariedade entre Espanha e Portugal ou o da solidariedade de todos no espaço ibérico. No entanto, é este último conceito que nos interessa defender e promover.

Pensamos que existem formas subtis de não estar ausente desse debate. Nada impede Portugal de promover um debate interno, paralelo e complementar ao debate interno espanhol, sobre o seu futuro - o seu encaixe - na Península Ibérica. Somos livres de o fazer. E devemos fazê-lo. E devemos abordar, sem complexos nem psicoses, questões tão importantes como a cooperação política intrapeninsular, as infra-estruturas, o equilíbrio ambiental, a cooperação transfronteiriça, a cooperação empresarial, a universitária, a promoção das línguas e culturas, as relações com a União Europeia, o investimento conjunto na investigação e desenvolvimento ou a abordagem conjunta de mercados terceiros. Um debate que não se limite à visão arcaica e retrógrada das relações bilaterais entre Madrid e Lisboa.

De Portugal, parceiro de referência como o é para muitas regiões e nacionalidades espanholas, esperamos que seja capaz de dar um novo impulso às relações intrapeninsulares. Com imaginação, determinação e perspectiva de futuro. Se há ensinamento que extraímos do aparte que protagonizava o início deste artigo e, de forma mais profunda, dos «rumores» que vêm de Espanha, é este: aproveitando a nova conjuntura política em Espanha, a Portugal oferece-se a possibilidade de poder assumir um papel relevante na Península Ibérica - o que justificou sempre a nossa singularidade e independência - e, através dela, na Europa e no mundo. Nem mais, nem menos.

(*) Respectivamente, membro do conselho de administração e secretária-geral da «Fundação Catalunha Portugal»



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Mário Soares, “A nova Espanha”, Expresso, 24 de Abril de 2004.

«A Espanha entra numa nova fase, que terá consequências em toda a Europa e não só.»

TENHO chamado a atenção, nesta coluna, para a realidade espanhola, dada a importância que a política - e as transformações - do país vizinho têm para Portugal. Existe hoje, incontestavelmente, um «mercado ibérico», consequência natural - globalmente benéfica - da adesão simultânea de Portugal e de Espanha à então Comunidade Económica Europeia (CEE), hoje União Europeia (UE). Têm vindo também a alargar-se as relações e a cooperação entre os povos ibéricos, em todos os domínios e, nomeadamente, nos sempre crescentes fluxos turísticos, nos dois sentidos. O intercâmbio fronteiriço, com as diversas Autonomias vizinhas de Portugal, está a tornar-se cada vez mais intenso, marcando quotidianamente os hábitos das populações raianas. E há, entre os dois Estados peninsulares, interesses múltiplos e convergentes em áreas geográficas diferenciadas, como: a Europa, a América Latina, o Mediterrâneo e o Norte de África.

No entanto, nem sempre as relações luso-espanholas são isentas de dificuldades, sobretudo de tipo conjuntural. Justifica-se esta situação, frequentemente, invocando motivos que vêm do passado e que radicam em velhos preconceitos, desconfianças hoje sem razão de ser e em ideias feitas ou humores superficiais.

Mas há outra razão: o desconhecimento que existe em Portugal, relativamente às realidades espanholas - em acelerada transformação - é ainda muito grande. Suponho que em Espanha se passa o mesmo em relação a Portugal. Quer no plano político quer cultural e mesmo na área económica, sabemos pouco quanto ao que se passa no país vizinho e quase nunca acompanhamos, suficientemente de perto, os debates essenciais que aí ocorrem.

Durante o recente período pré-eleitoral, num artigo publicado nesta coluna, levantei o problema das «duas Espanhas», irreconciliáveis, que nos finais do século XIX e nas duas primeiras décadas do séc. XX, preocupou muitos intelectuais, ensaístas e escritores, como: Ortega y Gasset, Unamuno e Salvador de Madariaga; historiadores, como: Sanchez Albornoz, autor de Espanha, um enigma histórico ou Américo Castro, que escreveu sobre A realidade histórica de Espanha; e sociólogos, como: Joaquim Costa e Lucas Mallada, para só citar os maiores, pertencentes à chamada «geração de 1898», émula da nossa «geração de 1870», de Antero, Oliveira Martins, Eça, Batalha Reis, os homens das Conferências do Casino.

Foram essas «duas Espanhas», tão diferentes, que se confrontaram, com intolerável crueldade, na Guerra Civil (1936-1939), tendo a Espanha progressista sido vencida pelos exércitos de Franco e, depois, implacavelmente dominada e oprimida, durante quase quatro décadas. Só com a «transição democrática» de 1976, tão influenciada pela nossa Revolução dos Cravos, isso se modificou. Mas em Espanha, ao contrário do que sucedeu em Portugal, a transição foi «pactuada»: não houve uma ruptura nem, muito menos, uma Revolução.

Levantei então, esta temática, porque na última campanha eleitoral espanhola, dada a crispação política e social criada pelo Governo Aznar - que teve, entre outros, o efeito nefasto de agravar perigosamente o eterno problema das nacionalidades - ressurgiu a questão das duas Espanhas, que voltaram a enfrentar-se, agora, felizmente, apenas no plano eleitoral, dado o quadro democrático e europeu em que vive a Espanha de hoje. Por um lado, com Aznar-Rajoy, esboçou-se o ressurgimento de uma Espanha autocrática, fortemente centralista, reticente em relação à «velha Europa», alinhada, com os ultraconservadores americanos e, no plano económico, com uma política neoliberal, sem excessivas preocupações sociais; por outro, com Zapatero, perfilou-se uma Espanha progressista, europeia, descentralizada, com forte empenhamento social, dialogante com os nacionalismos, procurando encontrar uma solução negociada e pacífica, capaz de fortalecer as Autonomias num âmbito alargado do Estado espanhol.

Ao contrário do que muitos pensavam - mas eu não, permita-se-me a imodéstia - as eleições de 14 de Março deram uma clara vitória ao PSOE, liderado por José Luís Rodriguez Zapatero. Foi a Espanha europeísta e progressista que triunfou no pleito eleitoral, tão tragicamente ensombrado pelos atentados terroristas de 11 do mesmo mês. Sob este aspecto, o civismo e a inteligência do povo espanhol, não se deixando instrumentalizar pelo Governo de Aznar - que quis atribuir à ETA a responsabilidade dos atentados, contra todos os indícios e a própria lógica - constituiu uma extraordinária lição política que importa ter presente e ponderar.

Com a posse do Governo Zapatero, a Espanha entra numa nova fase política, que terá consequências em toda a Europa e não só - já as teve, aliás, nas eleições regionais francesas - e, por isso, deve ser estudada com a maior atenção e rigor em Portugal. Há quem fale mesmo de uma «segunda transição», um novo pacto institucional, que abra um diálogo fecundo com os diferentes nacionalismos, no quadro do Estado espanhol, pacifique o Euskadi e obrigue a ETA a abandonar de vez a via da violência. O caminho é estreito mas não é impossível: pode ser exequível.

No dia seguinte à tomada de posse do Governo - no passado Domingo - Rodriguez Zapatero anunciou a retirada das tropas espanholas do Iraque, conforme a promessa feita durante a campanha eleitoral. Foi um acto corajoso, consequente, oportuno, de grande lucidez política, baseado na convicção de que até 30 de Junho não se modificarão as condições que permitam à ONU assumir a responsabilidade de orientar a pacificação e a reconstrução do Iraque. Realmente assim é. O «atoleiro» do Iraque - «pior do que o Vietname», como disse o comissário europeu, Chris Patten, há poucos dias - não tem solução, a menos que se mude radicalmente de estratégia, por estar errada e só ter conduzido a mais terrorismo e violência. Está, aliás, a impor-se a ideia, nos debates em curso na própria América, que é preciso um «New West», que resulte da indispensável renovação das relações Europa/Estados Unidos, capaz de apresentar um novo rumo no combate ao terrorismo, com credibilidade e reconhecida moralidade perante o mundo islâmico.

Num tal contexto, o Governo português fará bem meditar no exemplo espanhol e no impacto positivo que está a suscitar em toda a parte. Retirar a GNR do Iraque, está a tornar-se um imperativo patriótico e de credibilidade. É sabido que a Guarda foi para o Iraque apenas porque o Presidente da República, se opôs a que para lá fossem as Forças Armadas. Ora, num Iraque mergulhado numa autêntica guerra civil não se compreende o que poderá lá fazer uma força que tem por missão garantir a segurança das pessoas, em tempo de paz. Expõe-se, sem vantagem, a eventuais ataques, para os quais não terá meios de resposta eficazes. Falemos claro. Tratar-se-á de uma medida política sem sentido e perigosa que serve tão só para agradar ao poder americano?
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Jordi Joan Baños in La Vanguardia, 21/01/2005:

Josep Lluís Carod-Rovira ofreció ayer al PSOE desde Lisboa "un pacto estable para toda la legislatura" si se aparta del "frente español por el centralismo", con el PP, para volver a una "alianza democrática por la pluralidad". Exige a cambio la aprobación en Madrid del Estatut que salga del Parlament y una financiación justa. Con esta última propuesta, Carod señaló que "si de una vez el PSOE quiere dar contenido a su retórica federal, en ERC encontrará un aliado leal".


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Helena Matos, "A Natureza do Mal", Público, 29 de Janeiro de 2005.

1. É verdadeiramente assombrosa a capacidade que temos de nos distrair do essencial e perdermo-nos com o acessório. O nosso ainda primeiro-ministro, furioso com os resultados das sondagens, propõe-se processar as empresas que as efectuam. Do mais que provável futuro primeiro-ministro, José Sócrates, cada vez se sabe menos o que pensa. E, contudo, ela move-se. Ou seja a política.

No passado fim-de-semana, esteve em Lisboa Josep Carod-Rovira, o líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). O senhor Rovira veio a Portugal falar-nos da Ibéria. Nem mais nem menos. Como o mesmo Rovira declarou ao semanário "Expresso", também na passada semana: "Devemos passar de uma concepção unipolar do Estado para uma outra multipolar, que passe por Lisboa, Barcelona, Bilbau, certamente por Sevilha, e juntos poderemos acabar de alguma forma esta península que nunca foi concluída."

E assim de uma assentada, Lisboa, capital de um Estado independente, foi colocada, pelo senhor Rovira, ao nível das capitais das regiões e comunidades espanholas. É de uma inconsciência assombrosa a bonomia com que em Portugal se escutam este tipo de afirmações. Duvido, aliás, que sejam escutadas. O "Jornal de Notícias", no artigo que dedicou à conferência de Rovira, em Lisboa, fez um título que deve ter ido buscar aos tempos em que o generalíssimo Franco era vivo - "Rovira diz que chegou a hora da Catalunha livre". Quem oprime a Catalunha nesta ano da graça de 2005? Não só a Catalunha é livre como o que de facto Rovira disse é que chegou a hora de Portugal se tornar uma região da Ibéria.

E note-se que o senhor Rovira não estava a discursar num encontro obscuro ou na sede dum movimento extremista. O senhor Rovira veio a Portugal a convite da Fundação Mário Soares, que, como se sabe, foi Presidente da República deste país que Rovira trata como uma região da Ibéria. Nada disto mereceu destaque na nossa campanha eleitoral. O que pensam, por exemplo, os nossos candidatos a chefes de governo do anúncio feito por Rovira, na Fundação Mário Soares, de que vai propor a Zapatero que a Catalunha participe nas próximas cimeiras luso-espanholas? Sócrates vai dar o estatuto de chefe de Estado aos governantes da Catalunha? E do País Basco? E da Galiza? E vai fazê-lo enquanto a Espanha discute este assunto?

Sobre Santana Lopes não vale a pena perguntar o que fará: não só não vai ser primeiro-ministro como, quando da cimeira luso-espanhola em que representou Portugal, aceitou ser colocado ao nível dos presidentes das comunidades autónomas da Espanha. A presente situação espanhola diz-nos respeito: porque os líderes independentistas procuram obter em Portugal o reconhecimento tácito do seu estatuto de chefes de Estado. Porque uma Península com três ou quatro Estados independentes é política e economicamente diferente para Portugal. Porque o processo de desgaste das instituições democráticas fomentado pelos independentistas em Espanha é exemplar dos logros em que as democracias caem.

Começou por se fazer equivaler antifascista a democrático, o que está longe de ser verdade. Movimentos como a ETA são profundamente reaccionários, mas o facto de os seus membros terem combatido Franco serviu-lhes de capa de legitimidade para continuarem a matar em plena democracia. À extorsão que praticam chama-se imposto revolucionário. Simultaneamente, pactuou-se com o culto dos mortos em que os nacionalismos e os terrorismos são férteis. O corpo de cada vítima dos nacionalistas, nos anos 70, 80 e 90 do século XX, valia sempre menos que os independentistas mortos pela Falange ou pelas tropas de Isabel, a Católica. Durante anos, olhou-se para o fenómeno da violência de rua e perseguições a não nacionalistas com a mesma tolerância com que os burgueses enfrentam os desmandos dos filhos: aquilo passa-lhes. Não passou. Em Espanha, agora, na urgência do inevitável, arranjam-se argumentos que visem impedir os bascos de organizar um referendo sobre o seu futuro estatuto. Em Portugal, nós já escutámos Rovira dizer-nos qual é o nosso futuro estatuto. Esperemos que não seja demasiado tarde quando tivermos percebido o que ele, de facto, disse. Não sobre a Espanha. Mas sobre Portugal.

(...)



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