domingo, junho 19, 2005

IMIGRAÇÃO= PÃO E JUSTIÇA

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão


O século XX, devido a guerras e revoluções, originou os maiores movimentos migratórios de sempre, a deslocação de milhões de pessoas que, acossadas pela violência ou pela fome, partiram para onde julgaram encontrar segurança e pão. Foi assim na Europa, na África, na Ásia, na América Latina. Esta foi, sem dúvida alguma, a mais pesada herança recebida pelo séxulo XXI, a par dos crimes ecológicos perpetrados por países dominados pelo obscurantismo e ela ganância pura e simples. Os organismos internacionais, em que todas as nações estão representadas, mal puderam usar os mecanismos básicos da justiça que deveria ser imposta aos países prevaricadores porque se viram literalmente inundados por milhões de desalojados famintos, despojados do que de mais elementar é dado ao homem para sobreviver.
Essas multidões de deserdados têm rumado a países mais prósperos e seguros, onde deitaram raízes e construíram a vida, porque as organizações internacionais e as chamadas grandes potências mundiais não souberam, ou puderam, evitar o êxodo promovendo o desenvolvimento, económico e social, nos países em crise. Em vários países ditos desenvolvidos, o capitalismo selvagem viu com gula a chegada dessa mão de obra faminta e pouco exigente quanto a condições de vida. Foi assim que, em vários países, nasceram e cresceram os bairros da lata que passaram a ser tristes guetos de marginais porquanto, por falha do país de acolhimento, as crianças e jovens se viram condenados a viver a mesma pobreza que escorraçou os pais dos países de origem. Esta ausência de política imigratória, a total falta de educação ministrada a crianças e jovens com o objectivo da sua completa integração no país em que nasceram de famílias emigrantes, foi o mais perfeito caldo de cultura para o desabrochar da criminalidade e do desespero. Não podem autoproclamar-se de cristãos ou defensores dos Direitos do Homem os países que, por inépcia ou erro de cálculo, propiciaram este estado de coisas.
Digamos que, em vários países onde este erro foi cometido, a massa informe de imigrantes não integrados constitui uma bomba-relógio. Mas, a exemplo do que acontece com as bombas propriamente ditas, esta pode ser despoletada por meio de uma acção social de grande envergadura, feita em profundidade e não à laia de penso rápido. Uma acção dessas implica a mobilização de toda a população e dos imigrantes já integrados, e também os sectores missionários da Igreja.
Opor a este fenómeno manifestações racistas, com o nojento folclore dos símbolos nazis e fascistas a denunciar o seu escondido objectivo, é opor uma boçalidade à boçalidade de nada ter sido feito para integrar os imigrantes. Ou dito de forma mais clara, duas boçalidades de sentido contrário por muito cultos e finos que se possam clamar os seus ideólogos.
Numa democracia, há liberdade para se manifestarem em público a extrema-direita e a extrema-esquerda – como, há dias, se manifestaram em Lisboa os que, quadradamente, pensam resolver o caso da imigração com insultos, expulsões, espancamentos e braços ao alto, numa estafada repetição do que praticava Hitler ou Mussolini, ou os que, estupidamente, procuraram endeusar dois políticos mortos que, todos o sabemos, não foram mais do que instrumentos servis de criminosos como Lenine e Estaline. Numa democracia cabem todos, incluindo os quadrados e os estúpidos, os que nunca aprenderam nada, os que nunca vão aprender nada. Mas como democracia implica vigilância, é obrigatório que as autoridades sigam de perto as movimentações desses extremos e a comunicação social, especialmente a televisão, tenham seriedade e decência. Para não dizer mais.
As generalizações são sempre injustas, mas passam a criminosas quando se fazem sobre a Imigração. No Canadá há 40 portugueses presos por crimes cometidos e, entre os milhares de ilegais portugueses que desde há tempos têm arribado a esta margem, sabe-se que há criminosos, alguns até foragidos da justiça lusa. Este painel, mais coisa, menos coisa, é o que se verifica em todas as grandes comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Os emigrantes portugueses não têm sido insultados por manifestantes de rua. Não seria justo. Os departamentos de Justiça e de Imigração fazem o seu trabalho, sem pressa, com todo o cuidado. Serão deportados os que tiverem de o ser. Mas ninguém insulta o português que faz o trabalho que o canadiano deixou de fazer. Ninguém devia insultar os imigrantes que, em Portugal, fazem o trabalho que os portugueses há muito deixaram de fazer (como estamos todos fartos de saber, desde que apareceu o maná das baixas prolongadas, dos subsídios de desemprego que se podem prolongar, dos pseudo-cursos de aperfeiçoamento, etc. etc.).
Devo acrescentar que, no Canadá e em muitos outros países, há todo um programa de apoio aos recém-chegados que abrange a escola, os serviços de saúde, o alojamento, o enquadramento comunitário.
A democracia portuguesa tem ainda muito que aprender e é bom que aprenda depressa para o povo não ter de sofrer a boçalidade, o atraso de vida de uma ditadura de extrema-direita ou de extrema-esquerda.

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