quarta-feira, julho 13, 2005

TACANHÊS E PARTIDARITE ESTRANGULAM LÍNGUA PORTUGUESA

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

Estamos todos bem lembrados das arrebatadas declarações de amor à língua portuguesa desde o PR até ao mais insignificante secretário de estado, dos ministros ao mais obscuro diplomata. Quem os acreditasse pensaria que o ensino do português no estrangeiro é uma conquista que deveríamos à competência, à inteligência, ao espírito de bem comum dos oradores partidários. Nada mais longe da realidade Poderia até ser ridículo, se não representasse um embuste e um atentado aos valores da Pátria.
A triste verdade é que, do mesmo modo que Portugal nunca teve uma política de Emigração e de Imigração, também nunca teve política definida em relação ao ensino da língua e da história portuguesa nas comunidades emigrantes. Os 30 anos que passaram saldam-se por um somatório de contradições e confusões, de incompetências e oportunismos, onde têm medrado os aventureiros que se sentam nas cadeiras do poder e os que vivem parasitariamente à sombra destes. Um belíssimo caldo de cultura para os que vivem de e para a partidarite, boçalmente indiferentes aos danos causados ao país e aos dramas humanos e profissionais que geram.
Aos olhos do cidadão comum parece lógico que tudo quanto respeita ao ensino, designadamente ao ensino da língua portuguesa, deve ser programado, tutelado e mantido pelo Ministério da Educação. Mas, segundo a visão tacanha dos sucessivos governos, quem fornece coordenadores e professores de língua portuguesa é o Ministério da Educação, mas quem no terreno controla (e não poucas vezes sabota) os coordenadores, fora do país, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros – esse que nem representações diplomáticas tem conseguido fazer funcionar satisfatoriamente, e quem sofre o mau serviço dos consulados bem o sabe, quanto mais saber seja o que for na área do ensino por parte de diplomatas de torna viagem que, em muitos casos, nem nas suas funções dão prova de competência. Foi com esta enxada malfazeja que os sucessivos governos levaram o ensino da língua portuguesa no estrangeiro a um pântano onde só as ratazanas engordam.
A situação, contudo, tende a piorar, a ficar sem saída possível.
Como, depois dum regabofe impune de 30 anos, a hora é de apertar o cinto, o estado (a que chegámos) tenciona em breve poupar dinheiro passando as coordenações para os consulados, ficando os coordenadores equiparados a técnicos consulares, a funcionários consulares, dando como pretexto os coordenadores ficarem mais perto das comunidades. Pretexto esfarrapado de quem tem a consciência de mal agir porquanto parece óbvio que se pretende tornar airosa a onda de saneamentos que aí vem, de modo a poderem ser colocados os amigos, os parentes e os aderentes do partido governamental. Para um governo que afirmou querer dignificar a língua portuguesa, aqui está uma medida bem pouco dignificante, pois bem se sabe que caos e que corrupção foram as escolas portuguesas, quando o assunto estava entregue a funcionários consulares (na maior parte admitidos por cunha e compadrio): uma auditoria severa demonstraria como foram indevidamente oficializadas algumas escolas, como foram reformadas por inteiro pessoas que faziam trabalho de secretaria e não pedagógico, como colecções inteiras de livros enviadas pelo governo português foram parar a casas particulares ou desavergonhadamente vendidas por bom preço, como subsídios dados a escolas noutro tempo foram aliviar os depauperados cofres de certos clubes, etc., etc. Ninguém acredita, ainda hoje, que esses “serviços” tenham sido prestados gratuitamente. Os coordenadores puseram ordem nesta desordem, e só por isso merecem bem o que ganham. Até agora têm prestado contas ao Ministério da Educação e ao embaixador da área a que pertencem. Daqui em diante a quem vão prestar contas: ao Ministério da Educação, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, aos embaixadores e aos cônsules que não tem formação pedagógica e não percebem nada do assunto, aos membros do Conselho das Comunidades (em que tantos há que mal sabem escrever uma carta para a família), aos directores das Regiões Autónomas que frequentemente, de forma abusiva e descarada, invadem terreno que é pelouro da República com o fito único de se exibirem em períodos pré-eleitorais ou para promoverem amigos ambiciosos, ou a todos ao mesmo tempo? Quem sai a perder desta futura salganhada? A língua portuguesa, as comunidades emigrantes e o país. Nem duvidem. O espantoso, o escandaloso, é que estas medidas sejam tomadas por governantes que, das comunidades portuguesas, apenas conhecem as viagens gratuitas que fazem à roda do mundo, com muita lagosta e condecorações a granel pelo meio, e as mordomias de que gozam nesses cargos. Nada mais sabem das comunidades. Se soubessem, certamente responderiam às cartas e relatórios enviados pelos coordenadores, pois não será por falta de boas maneiras que assim procedem. Nem ao menos têm a decência de ver o que se passa com o ensino de outras línguas europeias: têm técnicos apetrechados nos consulados, mas não dispensam, nas embaixadas, o responsável máximo representando o ministério da educação.
Curiosamente, ou talvez não, quem anda a congeminar estas mudanças iníquas não fala nos conselheiros culturais das embaixadas, em geral uns verbos de encher que não têm habilitações para o lugar que exercem, num tempo em que já há formação universitária na área da Cultura e da dinamização cultural. Nem fala dos conselheiros sociais que, por inerência de funções deveriam estar sempre próximos das comunidades, mas que diplomatas de vistas curtas desviam para tarefas burocráticas em lugar de se fazer o levantamento sério das necessidades e situações junto dos portugueses.
Que confusão vem a ser esta, sob a forma de “reformas do ensino”? Porque quer o ministério dos Negócios Estrangeiros controlar tudo, dominar tudo? Porque não fazem o que outros paises fazem: os diplomatas políticos dependem do embaixador, os diplomatas com pastas específicas devem articular o trabalho com o embaixador, mas respeitando a política do governo português. O conselheiro cultural deveria ser tutelado pelo ministério da Cultura, o conselheiro do ensino seria tutelado pelo ministério da Educação, o conselheiro social pelo ministério dos Assuntos Sociais, e assim por diante. Não se percebe como se colocam estas matérias nas mãos de embaixadores e cônsules, quantas vezes contrariando as políticas do governo. O resultado é confrangedor: é o governo a puxar para um lado e os “reizinhos” em terra alheia a criarem as suas estratégias de actuação em benefício da sua própria carreira. É comum os coordenadores reunirem com cônsules que nem lhes perguntam qual é a política do ministério da Educação para o ensino da língua portuguesa, embora se desdobrem em opiniões e sentenças sobre o assunto. Há cônsules, por vezes bem grosseiros, que apenas querem proteger escolas comunitárias de amigos e conterrâneos, outros que ficam surpreendidos por estar o ministério da Educação representado no local, outros querem fazer tudo e mais alguma coisa sem perceberem patavina do terreno onde se metem. Quem dá a estes diplomatas o direito de ditarem sentenças sobre o ensino de português, quando isso não faz parte dos conhecimentos deles?
Chegámos a ponto de todo o bicho careta tratar da língua portuguesa, num disparate pegado que não leva o ensino a lado nenhum. Há quem acredite que todas as mudanças a vir visam colocar o ensino do português sob a alçada dos conselheiros culturais, exímios artistas oriundos do Instituto Camões que muito têm contribuído para a desgraça em que se encontra esse organismo, pelas ruas da amargura e sem trabalho feito no terreno. Representantes do Instituto Camões deveriam ser pessoas com experiência de ensino universitário, com provas dadas no âmbito da investigação, do conhecimento das universidades e do que elas devem fazer em prol do mundo lusófono. Pode aceitar-se, nos dias de hoje e com milhões de portugueses radicados no estrangeiro, que esses representantes sejm licendiados em Direito ou História?
Acresce que, segundo consta nos bastidores, medra a ideia de os coordenadores não serem recrutados por concurso e sim por nomeação. E isso diz bem do desprezo que tem quem manda pelo profissionalismo e competência. Não há que saber: o governo prepara um saneamento geral para colocar os seus companheiros políticos, os amigalhaços, a parentela.
Tivessem eles amor verdadeiro à Pátria que não tratavam tão mal a sua língua e cultura.

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