quarta-feira, dezembro 20, 2006

Boas notícias não são notícia

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão


Sabemos que o mundo vai mal e está perigoso a ponto de nos deixar atemorizados, porque a comunicação social, um pouco por toda a terra, nos relata diariamente a maldade humana na sua prodigiosa criatividade. No entanto, quando abrimos o jornal ou ligamos a TV ou a rádio, temos sempre esperança de encontrar o oásis de uma boa notícia. Pura ilusão. A literatura efémera que é a imprensa, é feita por homens e mulheres, eles próprios temerosos, obsecados pela realização do que julgam ser um esconjuro.
É claro que o mal é contagioso, mas não é menos certo que o bem também o é. Por essa razão todos precisamos de pais e educadores que nos formem pelo exemplo, de governantes e oposições que se imponham ao nosso respeito pela boa conduta, de sacerdotes que nos guiem pela sua prática despojada e luminosa. Relatar o que é bom, creio, trará a luz onde há só há sombra mediática.
Por tudo isto e porque estamos no Natal, a poucos dias da celebração do nascimento de quem deu sangue e vida pelos trastes que nós somos, tomo a liberdade de deixar no vosso sapatinho um apontamento bonito.
O caso passou-se no Canadá, um país onde o livre mercado e o capitalismo existem e dominam, algumas vezes descambando em selvajaria. Só podem ter sido selvagens os que lançaram amigos meus ao desemprego, ao fim de 20 e muitos anos de leal serviço na mesma empresa, através de uma seca mensagem electrónica que os infelizes encontraram ao abrir o computador, como faziam todas as manhãs mal entravam nos escritórios.
Mariana era uma funcionária altamente qualificada de uma multinacional. Tinha aquilo que se chama de um lugarão, bem pago, com muitas viagens e mordomias várias. Viu reconhecido o seu talento, inteligência e preparação adquirida num bem sucedido curso universitário. Este ano foi nomeada directora dos recursos humanos da empresa, o que a deixou encantada na presunção de poder contribuir para melhores condições de todos os funcionários. Poucas semanas depois, ficou diante da armadilha: a administração encarregava-a de despedir uns centos de empregados, sacrificados no altar da famosa reestruturação empresarial, essa que, muitas vezes, não passa de substituir homens por máquinas, numa prova descarada de estar o homem ao serviço da economia e não esta ao serviço do homem, como manda a moral e o bom senso. Mariana, com o coração partido, procurou obedecer à ordem sem fazer muito sangue, isto é, escolhendo os funcionários que podiam saír com reforma ou os muito jovens que facilmente podiam arranjar trabalho noutro lado.
Mas o compressor do capitalismo ganancioso tratou de a apertar cada vez mais. Até ao dia em que exigiu o despedimento de uma secretária de meia idade, competentíssima, alinhadíssima, a braços com uma situação conjugal grave que a obrigava a ser pai e mãe ao mesmo tempo.
Foi nessa altura que aconteceu o que é uma boa notícia. Mariana apresentou-se ao presidente da multinacional e tratou de lhe propor o seu próprio despedimento em troca do despedimento daquela mulher numa idade que não proporciona um emprego encontrado facilmente. O presidente ficou assombrado, mas Mariana não se poupou a argumentos até conseguir o seu objectivo.
Saíu de cabeça levantada e coração leve. Não vai sentir remorsos na celebração da consoada. Depois das festas, passadas com o marido e o seu primeiro filho, irá procurar outro trabalho. Já agora, aqui vai o resto da boa notícia: Mariana é portuguesa, casada com um português. Não se considera uma intelectual vanguardista ou a Madre Teresa de Calcutá. É, apenas, uma pessoa de bem e de coragem. Um bom exemplo.
Desejo-lhe um Santo Natal, leitor.

Documentos do Arquivo Secreto Vaticano

Documentos do Arquivo Secreto Vaticano sobre II República e Guerra Civil espanhola

Entrevista ao sacerdote e historiador Vicente Cárcel Ortí

ROMA, terça-feira, 19 de dezembro de 2006 (ZENIT.org).- Estão injetando «muito veneno» no corpo da Espanha: é a constatação que faz à agência Zenit o sacerdote e historiador espanhol Vicente Cárcel Ortí, que na terça-feira passada falou em Roma sobre os novos documentos do Arquivo Secreto Vaticano que oferecem uma luz sobre a etapa da II República Espanhola e a Guerra Civil (1931-1939).

Cárcel Ortí ofereceu uma conferência no Centro de Estudos Eclesiásticos -- ligado à Igreja de Santiago e Montserrat -- sobre esse período histórico preciso de divisão na Espanha e de perseguição religiosa à luz de novos achados nos Arquivos Vaticanos, de recente abertura por decisão de Bento XVI.

Desde 18 de setembro, a documentação relativa ao pontificado de Pio XI (6 de fevereiro de 1922 – 10 de fevereiro de 1939) está à disposição dos historiadores. Cárcel Ortí foi o primeiro espanhol que esse mesmo dia começou a examinar estes textos com o fim de publicá-los na íntegra nos próximos anos em uma obra dividida em vários volumes, que se titulará «Documentos do Arquivo Secreto Vaticano sobre a Segunda República e a Guerra Civil» (1931-1939).

Vicente Cárcel Ortí, natural de Manises (Valência), foi Chefe da Chancelaria do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica até o ano passado, em que se aposentou voluntariamente para dedicar-se à pesquisa histórica e ao ministério pastoral em uma paróquia romana.

Também é atualmente Vigário Episcopal para os sacerdotes valencianos residentes em Roma. Desde 1967, vive no Colégio Espanhol da capital italiana.

--Estes documentos vaticanos concernentes à história da Espanha, em concreto da Igreja, ofereceram surpresas?

--Carcel Ortí: Mais que surpresas, ofereceram dados até agora desconhecidos para precisar alguns pontos polêmicos e discutidos, que devem ser esclarecidos e reforçam a tese de que a República atacou abertamente a Igreja e os católicos e de que o Vaticano aconselhou sempre moderação e prudência para não provocar males maiores, sobretudo quando começou a perseguição religiosa.

--Brevemente, qual era a situação da Igreja durante a II República e durante a Guerra Civil espanhola?

--Carcel Ortí: A Santa Sé reconheceu imediatamente a República e pediu aos bispos e católicos em geral que a aceitassem lealmente e colaborassem com ela pelo bem comum de todos os espanhóis.

A Igreja demonstrou muita paciência ao suportar a política abertamente hostil, discriminatória e humilhante dos republicanos, que violaram o primeiro e fundamental dos direitos humanos, que é a liberdade religiosa.

Quando começou a Guerra Civil, a Santa Sé continuou reconhecendo a República como governo legítimo da Espanha, e somente em maio de 1938 decidiu reconhecer o Governo nacional, ainda que com muitas reservas, devido às infiltrações de paganismo nazista na ideologia da Falange; mas então a República havia perdido muito crédito no âmbito internacional. De fato, outras nações começaram a reconhecer o novo regime e a enviar embaixadores a Franco.

Os bispos demoraram exatamente um ano em pronunciar-se, com a carta coletiva de 1º de julho de 1937, a favor dos nacionais; mas para essa data, já haviam sido assassinados mais de quatro mil sacerdotes e religiosos.

--O senhor fala de «holocausto de sacerdotes, religiosos e católicos» entre 1936 e 1939. Holocausto?

--Carcel Ortí: Certamente, porque estava programada a destruição total da Igreja em seu conjunto, e aí estão os dados que demonstram isso.

Não só foram assassinados milhares de sacerdotes, religiosos e católicos por motivos de fé, mas também milhares de templos foram destruídos e incendiados, e com eles desapareceu para sempre um ingente patrimônio histórico, artístico e cultural que nunca mais voltaremos a ver.

O ministro republicano da Justiça, Manuel de Irujo, denunciou, em um Conselho de Ministros a princípios de 1937, que a República se havia convertido em um «regime verdadeiramente fascista, porque cada dia a consciência individual dos crentes era ultrajada pelas forças do poder público».

E o professor Dominguez Ortiz escreveu: «A perseguição à Igreja foi, além de uma atrocidade, um tremendo erro, e dos que mais prejudicam a causa republicana. Por isso, não têm razão os que hoje exigem da Igreja que peça perdão por isso; não têm razão porque não é lógico que as vítimas peçam perdão aos verdugos». Refere-se ao apoio da Igreja aos nacionais, porque os republicanos realizaram uma perseguição de morte.

--Ser imparcial quando se fala de guerra, por exemplo, da Guerra Civil espanhola, é possível e desejável?

--Carcel-Ortí: É desejável, mas muito difícil, porque custa muito admitir as razões do outro.

Devemos fazer, todos, um grande esforço, setenta anos depois, apesar da parcialidade inerente em cada pessoa, para reconhecer que, entre tantos vícios e defeitos, republicanos e nacionais também tinham algumas virtudes: a sagacidade, a valentia, o vigor e a lealdade a seus próprios ideais políticos.

--Há quem compara os anos da República espanhola com a política hostil e discriminatória dos católicos na Espanha de hoje. Exageros?

--Carcel Ortí: Estão se repetindo pontualmente muitos dos erros que levaram fatalmente à divisão trágica dos espanhóis, porque não se busca a concórdia, mas a confrontação aberta,; não a tolerância, mas o totalitarismo ideológico; não a democracia, mas a partidocracia; não o respeito das idéias e símbolos cristãos, mas a ofensa permanente dos mesmos. E isso cria divisão.

Desenterram mortos com fins políticos e não podemos continuar vivendo de cadáveres, que alimentam polêmicas infinitas e, com freqüência, indecentes.

O passado é passado. Não o liquidemos, não o arquivemos, mas não o usemos mais uns contra outros, para sustentar as teses de que gostamos ou que nos acomodam, nem para condenar as que não coincidem com as nossas ou as contradizem.

A razão não estava em uma parte e o erro em outra: esta é uma visão maniqueísta, falsa e inaceitável. Bons e maus, valentes e covardes militaram em um e outro bando. Mas tudo isso já passou e não deve repetir-se nunca mais.

Mas agora se está injetando de novo muito veneno no corpo de uma Espanha que durante o qüinqüênio republicano dividiu profundamente os cidadãos e, depois de uma guerra terrível, após quarenta anos, não conseguiu reconciliá-los.

A Transição o tentou, mas agora voltamos a ter uma Espanha dividida em facções rancorosas e litigiosas. E não podemos continuar vivendo assim.


ZP06121908

quinta-feira, dezembro 14, 2006

O assassínio do rei D. João VI (1826)

Com a devida vénia a Manuel Azinhal, aqui se reproduz uma importante chamada de atenção aos historiadores portugueses:

O outro regicídio "Já aqui [http://viriatos.blogspot.com/] tinha chamado a atenção para um trabalho colectivo que encontrei na rede intitulado "CAUSAS DE MORTE DE D. JOÃO VI" (no sítio dedicado a São Vicente de Fora).

Repito o alerta, agora movido pelas leituras de uns alfarrábios que me ocuparam este domingo.

O trabalho em causa é de extraordinário interesse para quem se interessa pela história política daquele período conturbado. Constitui um contributo de ora em diante impossível de ignorar em debates que se arrastam desde 1826.

Nem o título dá uma medida aproximada da sua importância: na verdade não se trata apenas das causas da morte de D. João VI, onde traz uma confirmação decisiva sobre a velha suspeita do homicídio por envenenamento. Por arrastamento faz também luz sobre a questão da data da morte, que desde esses dias se suspeitava não ser a anunciada. E continuando entra inevitavelmente na questão da autenticidade da carta régia de 6 de Março, publicada a 8 de Março, em que era indigitada a Infanta Isabel Maria para Regente do Reino... Se sempre tinha havido a dúvida sobre a sua autenticidade, este estudo, o clínico e o grafológico, apontam num sentido inequívoco: não é do Rei aquela rúbrica, e naquela data o Rei já estaria morto. O que torna perfeitamente lógico o arrastar do anúncio do óbito: era preciso forjar o documento (a 6) e publicá-lo (a 8, na Gazeta de Lisboa) e só depois podia o Rei morrer - no dia 10 troaram os canhões de São Jorge e a notícia tornou-se oficial. Mas depois deste estudo restam poucas dúvidas: o Rei ou morreu logo a 5, não resistindo ao envenenamento por arsénico sofrido a 4, ou morreu na madrugada de dia 6, como afirmaram poucos dias depois manifestos de origem realista que circularam em Lisboa. Temos assim presentes um regicídio seguido de um golpe de estado constitucional, que se concretizou nos dias seguintes, com a elaboração do documento para afastar a regência das mãos a quem ela cabia, e conseguir depois decidir a sucessão, através da constituição apressada de um Conselho de Regência de estranha composição, e com a imediata partida para o Brasil, no dia 12, dos representantes desse Conselho a suplicar a vinda de D. Pedro - que ainda pouco antes jurava ser estrangeiro e desejar ser tratado como se o tivesse sido sempre...

Creio bem que os autores deste trabalho, até pela respectiva formação ser de outras áreas científicas, não se deram conta das implicações históricas do que fizeram constar nas suas conclusões.

Mas o que ali está escrito não pode passar despercebido a quem tenha a paixão da História, e de Portugal. Uma semana decisiva da História de Portugal passa a estar esclarecida de um modo impossível de antever ainda há poucas décadas."



Os estudos em referência estão disponíveis em

http://www.fam.org.pt/web/paulomiranda/SVicente/DJoaoVI/DJVI01.htm">http://www.fam.org.pt/web/paulomiranda/SVicente/DJoaoVI/DJVI01.htm

(Já não estão disponíveis on-line nesse espaço. Tivemos conhecimento deste facto em 11.7.2007.)

Perante uma dúvida levantada, Manuel Azinhal respondeu:

Ainda a morte de D. João VI

O estimado e admirado JM deixou um comentário ao meu apontamento sobre a morte de D. João VI que se traduz em recordar a dúvida sobre a autoria: sempre os malhados podiam retorquir a qualquer suspeita contra eles lançada que os homicidas tinham sido os corcundas, e com efeito também esse rumor foi posto a correr na época.
Como a discussão é susceptível de interessar a mais gente, respondo aqui a essa observação (caso o JM pretenda usar da mesma faculdade tem esta casa ao seu dispor, e muito a valorizava).

Já que me espicaçou, agora atura-me.

Com todo o respeito pelo ilustre interpelante, nesta questão não parece haver fundamento para grandes dúvidas.

A haver crime, e era só o que se punha em dúvida, na situação então existente só o podiam ter cometido os que tinham o Rei inteiramente à sua mercê e nas suas mãos.

O rumor sobre os "corcundas" surgiu tardiamente, e claramente em contra-ofensiva.
Mas nunca foi levado a sério por ninguém: repare-se que os factos a que eu aludi só poderiam ser praticados por quem dominasse o "palácio".

E a intencionalidade desses factos resulta clara e iniludível: afastar a Regência de D. Carlota Joaquina, e afastar da sucessão o Infante D. Miguel.

Nem a Rainha, completamente incomunicável no Ramalhão, nem o Infante, então no exílio, podiam ter mantido o Paço de Bemposta em isolamento total e ir elaborando as informações diárias sobre o estado de saúde do Rei, e ainda para mais mandar fabricar um documento que impunha uma Regência contra as normas até aí conhecidas e que obviamente visava mantê-los para sempre afastados do poder. Nem certamente o publicariam na Gazeta oficial…

Os autores e executores do plano foram logo em cima do acontecimento apontados ao público: Lacerda, Barradas e Rendufe, que eram quem tinha as chaves e o poder para comandar estes acontecimentos. O Rei era um refém na Bemposta, ninguém tinha nem teve acesso a ele durante esse período.

Quanto ao documento em que tudo indica residir o essencial da questão, até correu a identidade do autor material da falsificação: terá sido um funcionário do Ministério da Justiça de nome José Balbino. O que bate certo com o pormenor de ser Ministro da Justiça precisamente o referido Barradas.... e bate certo também com a conclusão do exame grafológico quando este diz que a rúbrica foi feita por mão habituada ao uso do aparo, e hábil no ofício, e não condiz nem com a escrita do Rei nem com a imperfeição manual de um moribundo.

Pode objectar-se, e pensei nisso, que quem praticou o envenenamento foram uns e quem a seguir executou o golpe foram os outros. Teria a sua lógica, já que a morte súbita do Rei teria a consequência de chamar à Regência a Rainha, numa reviravolta dramática na situação política: Carlota Joaquina passaria repentinamente de uma situação de prisão domiciliária para o poder, e o governo recente teria que fugir de rabo enrolado. E D. Miguel viria do estrangeiro para reunir Cortes e ser aclamado como Rei. Portanto, o poder que foi surpreendido pela morte do Rei teria sido obrigado a congelar a notícia por uns dias para remediar a situação, elaborar a Carta Régia que indigitava uma Regência anómala e abrir caminho para ir chamar D. Pedro.

Mas mesmo esta hipótese não se apresenta nada provável. A este respeito, como facto interessante, refira-se que pela correspondência do Núncio de então verifica-se que o Rei andava a insistir na "reconciliação" com a Rainha; traduzindo a expressão pode calcular-se o que isto queria dizer em termos políticos para o governo em funções. Também várias fontes referem que o Rei, desgostado pelo desfecho das negociações que conduziram ao reconhecimento da Independência do Brasil, em que dizia ter sido levado a assinar como coisa consumada documentos que não correspondiam à sua vontade, manifestava cada vez com mais insistência a preocupação com o problema dinástico; e propunha-se organizar o regresso de D. Miguel do exílio. Atente-se em que depois de assinados os tratados com o Brasil a situação de D. Pedro aparentava estar esclarecida e consumada, era um Imperador de uma potência estrangeira e abdicava expressamente de quaisquer direitos em Portugal. O Infante D. Miguel era o único filho que restava, afigura-se inevitável que o Rei, como outro qualquer nessa situação, pensasse na sucessão.

Tudo visto, parece poder concluir-se que os governantes de então andavam justificadamente aflitos: se deixassem andar a carruagem teriam previsivelmente que suportar de novo a Rainha e o Infante, que tanto lhes tinha custado a anular.

Acrescento o pormenor curioso do relato do embaixador britânico sobre a sua visita de condolências à Rainha, uns dois meses depois, no Ramalhão, em que este menciona que a Rainha lhe afirmou ter informações de que o Rei tinha sido envenenado com "água tofana". Parece condizer com as descobertas científicas, porque "água tofana" é um composto de arsénico. A Rainha estava prisioneira, mas ainda assim teria os seus informadores. O povo dizia que tinha sido nas laranjas, mas esse pormenor nunca o saberemos; todavia, o que resultou do exame às reais vísceras é que foi na realidade arsénico.

Em resumo: neste caso, face ao que é certo e conhecido, não parece possível defender com um mínimo de seriedade a responsabilidade da Rainha e do Infante, que estavam em posição tal que nunca lhes seria possível executar este golpe, e foram notoriamente os alvos do mesmo.

Quanto ao episódio que conta, de D. Pedro, deixo só uma pergunta: se ele pensava que o pai tinha sido assassinado porque não pediu contas aos seus amigos que tinham assinado todos os comunicados e proclamações sobre a doença e a morte natural? Pelo contrário, todos passaram muito bem. Rendufe ainda passaria de Barão a Conde.

E essa intenção de se vingar de um irmão assassino é compatível com as atitudes de promover o casamento dele com sua filha, Rainha, e de o fazer regressar do exílio para essa função de príncipe consorte? A historieta parece fantasiosa. Acrescento aliás que sobre essa questão não conheço qualquer pronunciamento de D. Pedro que contrariasse a versão oficial.

E de igual modo sempre foi a versão oficial a proclamada pelos responsáveis liberais. De tal maneira que mesmo muito mais tarde, já em 1870 ou 71, quando o jornal miguelista "A Nação" voltou à carga com as acusações que acima referi a única reacção pública foi uma declaração de Saldanha anunciando que estava disposto a juntar-se ao então Duque de Palmela caso este decidisse processar o jornal por caluniar o nome do pai. Para o velho Saldanha o confronto era entre a verdade oficial (morte por doença) e a calúnia miguelista (o envenenamento pelo poder palaciano). Nada mais se discutia (e por sinal que não houve processo nenhum).


A sua síntese é excelente!, meu caro Manuel Azinhal.

JMQ

quarta-feira, dezembro 13, 2006

DNM - Madeirenses afirmam portuguesismo

Iberia 2040

Por Rafael L. Bardají


Elvas, 14 de marzo de 2040. Agencias.

“Por tercera vez consecutiva desde que se formara la República Ibérica entre Portugal y las regiones castellanas de la antigua España en el 2024, el Partido Popular Ibérico (PPI) ha vuelto a revalidar su mayoría absoluta en las urnas. Su líder, Carlos Joao Almeida será confirmado de nuevo como presidente de la república y contará como vicepresidente con Rodrigo Díez de Abellán. Ambos dirigentes han hecho hincapié durante toda su campaña en la necesidad de que el país mantenga firme sus lazos transatlánticos y siga disfrutando de los beneficios de formar parte del gran área económica atlántica establecida hace ya una década para integrar en un mercado único a las Américas y aquellos países europeos como Reino Unido, Irlanda, Noruega y Holanda, además de la República Ibérica, de vocación atlántica. La aplicación de políticas liberales y reformistas ha garantizado desde entonces un crecimiento constante para los miembros de esta zona económica, desarrollo que contrasta con la crisis instalada en la Unión Europea Continental.

El PPI ha sido la fuerza política dominante desde que Andalucía decidiera no incorporarse a la República a finales de 2023 y que su población, mayoritariamente compuesta por marroquíes, expresara en referéndum su deseo de convertirse en un territorio asociado al sultanato de Marruecos. De esa forma, una región que tradicionalmente votaba socialista favoreció la constitución de un área políticamente homogénea en el centro de la antigua España. Los socialistas de la anterior república de Portugal, que se opusieron ferozmente al plan de fusión con las regiones españolas que no deseaban seguir los pasos de Cataluña, el País Vasco y Galicia, fueron progresivamente abandonados por el electorado a favor de partidos de nuevo cuño de índole liberal o religiosos.

El reto más urgente del nuevo gobierno estriba en acelerar las negociaciones con Galicia, muy castigada económicamente e incapaz de salir de la crisis por sí misma, para su incorporación a la república, pero el más importante es hacer frente a la presión demográfica de la población norteafricana sobre su suelo. Los líderes del PPI ya han anunciado su compromiso con una política de inmigración selectiva que prime a aquellos ciudadanos provenientes de naciones con similar régimen de valores y que cuenten con las habilidades personales apropiadas al mercado laboral que los demanda. Así como el endurecimiento del proceso de nacionalización. Ser nacional de la República Ibérica debe ser producto de un compromiso activo, público y reiterado hacia el ordenamiento legal y el marco moral del país.

En el PPI recuerdan con amargura la transformación social de gran parte de Europa continental a causa de las grandes bolsas de emigrantes musulmanes que rechazaron en la gran crisis del 2010 todo los intentos de asimilación e integración y acabaron imponiendo la aplicación de su ley, la sharia, por encima del código civil y penal de los países de acogida. Tal y como, por otra parte, el gobierno socialista español aceptó para la comunidad musulmana de Ceuta y Melilla antes de anunciar que ya no formaban parte de España sino que se cedían a Marruecos. Conviene recordar que este proceso, donde los historiadores marcan el comienzo del fin de España, se realizó y fue posible por el clima político que entonces existente en el país, volcado en una reforma enmascarada de su marco constitucional y que a su vez comenzó en el 2006 con la aprobación del estatuto de Cataluña, cuando el gobierno central reconoció y admitió el derecho a que dicha región pasara a ser considerada una nación, en pié de igualdad a la misma España. De hecho, España dejó de ser una nación unitaria para convertirse en un marco amplio como nación de naciones. En el 2012, la nación catalana exigió contar con su propio Estado, al hilo de la ruptura de Bélgica y la aparición en ese país de dos estados autónomos, uno francófono y otro flamenco; y en el 2014 el País Vasco se convirtió de manera unilateral también en un Estado independiente. Ambos solicitarían formar parte de la Unión Europea y aunque lo lograrían con rapidez, durante su adhesión se produciría la ruptura interna de la UE motivada por quienes veían en el ingreso de Turquía un grave riesgo para su coherencia interna. El auge del Islam radical entre los emigrantes en Europa, cuyo primer brote fue el asesinato en Holanda de un director de cine poco conocido, Theo van Gogh, pero que se volvió más agresivo con el asalto a los principales museos, entre ellos el desaparecido El Prado, para destruir obras de arte que los imanes agitadores juzgaban contrarias al buen orden musulmán por mostrar desnudos, rompió el frágil consenso sobre el ser de Europa. Francia y Alemania, temerosos de suscitar mayor violencia por parte de sus poblaciones inmigrantes aceptaron que Europa perdiera sus señas de identidad y equipararon la sharia a su marco legal, a la vez que abrieron sus puertas a más emigrantes musulmanes. Es en este giro motivado por el impacto doméstico del Islam donde puede explicarse también los movimientos para abandonar el euro y la UE por parte de los más proatlánticos y la formación del área económica en esa zona. Cuando la familia real española se instaló en Granada bajo la protección directa del rey-sultán de Marruecos, la formación de la República Ibérica fue un hecho natural para escapar del creciente caos por una España en desmembración. Es el recuerdo de una España deshecha como un azucarillo por el socialismo lo que explica la nueva victoria de los conservadores.”

¿Ficción? Esperen y vean. La Historia se vive hacia delante, pero sólo se sabe interpretarla mirándola hacia atrás. Y ya lo dijo Edmon Burke: “Para que el mal triunfe basta con que los hombres buenos no hagan nada”.

(In La Razón, Madrid, 10 de Outubro de 2005)

domingo, dezembro 10, 2006

Era um riso no Chiado

CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão


Não me lembro como se formou aquele grupo de monárquicos com quem almocei, anos a fio, à quarta-feira, que se encontrava à porta da Brasileira. Tantos anos que um dia o Vasco Sampaio lembrou que fazíamos as bodas de prata de frequência no restaurante A Primavera, no Bairro Alto, o que veio a dar um almoço à porta fechada, servido por nós ao Jerónimo e à patroa, mailas moças que habitualmente nos serviam à mesa, numa comoção que o mar de garrafas tornou enorme ao tempo de uma sobremesa, rematada por discursos piegas de que foi vencedor um adido comercial sueco que, quase a chorar, considerou ser Portugal “o último reduto de ternura na Europa”. Atrapalhado mas teso, a cortar o passo à fraqueza, levantou-se o Conde de Fornos secamente: “Está bem, pronto, o que lá vai, lá vai. Nós nunca mais nos metemos noutra”. O riso salvou o restaurante de uma inundação.
O banqueiro dos almoços, que tanto podiam ser no Bairro Alto como no Ramboia de Alcântara ou no 31 da Armada, era o Conde do Lavradio, porque era ele quem, compondo o monóculo, fazia a divisão da conta por aqueles bicos todos, sem nunca dispensar uma observação atónita ao esvoaçar os olhos pelas garrafas abatidas: “Mas para que é que foi tanto pão?”.
Nunca atinámos com a resposta. Eramos um grupo nutrido de talassas que, sem doutrinas, entre um prato e outro, reduzia tudo às boas piadas, ao riso, à festa de sermos amigos e estarmos juntos. Até nos demos ao luxo de ter um republicano com lugar cativo à nossa mesa, o Dr. Joaquim Parro, para os dardos verbais de lado a lado se espanejarem sem ressentimento nem preconceito. Era uma perfeita rebalderia em que até o sossegado António José Sousa Tavares metia colherada.
Este grupo deu quatro embaixadores: Afonso Malheiro, Afonso de Castro, Sebastião Castelo Branco (Pombeiro) e António Pinto Machado. Que alegria era quando um deles vinha do estrangeiro e se juntava ao almoço! Era uma coisa tão certa que, já no Canadá, recebi um dia um cartão do Daniel Noronha Feio que assim rezava: “Os almoços das quartas são agora às segundas. Estás avisada para quando cá vieres”. Lembro-me de me ter dado pouco jeito essa mudança, porque à segunda-feira tinha eu outro almoço de monárquicos, mas esse na Sociedade de Geografia, e todo à séria, presidido pelo médico e historiador Mário Saraiva, onde muito aprendi com os seguidores de António Sardinha e José Pequito Rebelo. Assim o disse aos rapazes do Chiado quando fui a Lisboa, que gentilmente voltaram às quartas-feiras.
Desse grupo, culto e cheio de verve, mas modesto e saudável, já nos morreu o Daniel Noronha Feio, o Vasco Sampaio, o Gonçalo Mesquitela, o Salvador Lavradio, o José Hipólito Raposo e o Joaquim Parro. E agora morre-nos o António Pinto Machado.
Vi o António Pinto Machado pela última vez poucos dias antes de ele partir para Bruxelas. Fizemos-lhe um almoço de “até breve”. E porque ele me tinha pedido havia tempo uma moca de Rio Maior, levei-lha, embrulhada em papel de seda e laçarote, bruta mas envernizada, com o nome António em tachas amarelas. Encomendei ao Tio Abílio, de Rio Maior, que foi o inventor e o fornecedor dessa arma pitoresca quando o povo do centro do país se foi aos comunas como Santiago aos mouros, naquele tempo de PREC e estupidez. Tão contente que ficou o António! E tão triste que os amigos estão hoje!

segunda-feira, dezembro 04, 2006

O Parlamentarismo em «As Farpas»

Unica Semper Avis inicia hoje a publicação de excertos de As Farpas de RAMALHO ORTIGÃO e EÇA DE QUEIROZ, CHRONICA MENSAL DA POLITICA DAS LETRAS E DOS COSTUMES.

A jornada vai ser longa, mas vale bem a pena encetar a caminhada, em prol da memória portuguesa, deturpada pelos politicantes que o Estado Novo nos deixou por herança.

Começaremos, naturalmente, pelo tema do dia: as virtudes do parlamentarismo. Para abrir a selecta, situemo-nos em 1873, com epígrafe de Proudhon:


Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande universo, e da adoração de mim mesmo.
P. J. PROUDHON



Tanta palavra dispendida, tanto tempo empregado, tanto dinheiro perdido, tantos suores, tantos gritos, tantos copos de agua desbaratados para se assentar nos termos em que o rei tem de cumprimentar o paiz e em quo o paiz tem de responder aos cumprimentos do rei!

Como se, não havendo principios nenhuns de politica interna que affirmar, não havendo nenhuns factos de politica externa que expender, o que um rei tem que dizer ao povo e o que o povo tem que responder ao rei podesse, sem o mais criminoso abuso das prolixidades rhetoricas, alargar-se d'estes termos.

Discurso da corôa: «Meus senhores, Deus lhes dê muitos bons dias!»

Resposta ao discurso da corôa: «Senhor! Deus lhe dê os mesmos!»

Tudo mais é emphatico, é ôco, é ridiculo - e é immoral.

* * *

Ha um mez inteiro que os srs. deputados, sob o pretexto de accordarem na collocação de um adverbio ou no significado de um adjectivo para a confecção de um periodo banal, se discutem a si proprios; chamam-se reciprocamente desordeiros, calumniadores e ineptos; e documentam e provam entre uns e outros, de partido para partido, que são effectivamente desordeiros, conspiradores, calumniadores e ineptos.
As galerias enchem-se. Enchem-se de uma multidão desoccupada e ociosa, que não vae á camara levada pelas curiosidades scientificas, nem pelos interesses patrioticos. Vae apenas disfructar os contendores, rir-se d'elles, apupal-os no fundo da sua consciencia, e - o que é peior que tudo - preverter-se e desmoralisar-se no contacto da corrupção. Vão vêr a maledicencia dilacerar as reputações, como as féras nos circos romanos dilaceravam os martyres, e aprender no exemplo dos novos gladiadores do decoro a desprezar a honra diante do insulto, assim como nas antigas luctas do gladio se aprendia a desprezar a vida diante da peleja.

Durante este mez as galerias do parlamento estiveram sempre cheias, segundo asseveram os jornaes. Encheram-as empregados publicos que desertaram as suas repartições, litteratos ambiciosos que abandonaram os seus livros, burguezes enfastiados que deixaram o seu trabalho, operarios em grève que foram aprender a discursar nos seus comicios, pretendentes de empregos publicos, que foram examinar os pôdres por onde poderão romper os seus empenhos. E toda esta multidão perigosa, que precisaria de ouvir palavras de moralisação, de trabalho, de dignidade, assiste durante um mez inteiro aos exercicios de uma oratoria rasteira, sem elevação moral, sem correcção artistica, cheia de arrebatamentos estudados ao espelho, de improvisos ensaiados em familia, de coleras sobreposse, de indignações requentadas, de despeitos fingidos. Depois da lucta os athletas, com os colleirinhos abatidos e sujos pelas distillações do suor e das tinturas indeleveis, apertam-se entre si as suas pobres mãos inoffensivas e inuteis, e fazem-se gestos amigaveis, surriadas de bom humôr, piscam-se o olho, deitam-se a lingua de fóra, riem todos, e saem juntos de braço dado, amigos e inimigos, como velhos rabulas amaveis e cynicos, que vão comer juntos o jantar que ganharam descompondo-se em serviço da parte, que ficou na cadeia.

E eis ahi no mais alto das instituições a escola publica em que o povo tem de aprender a ser digno e honrado!