segunda-feira, janeiro 28, 2008

A lei e a alma

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

A notícia de um idoso de Godim que, depois de secar na urgência hospitalar de Vila Real, foi mandado para a sua aldeia, de táxi, sem roupa, apenas com uma fralda, deixou-nos cá por este mundo de Cristo além, onde vivem 5 milhões de portugueses, sem fala. A notícia posterior da sua morte, regressado que foi à mesma urgência, deu-nos o sabor da magoada revolta.
(Primeira reflexão: é por estas, e várias outras, que os portugueses emigrados têm medo de voltar à Pátria, tal é a sensação de abandono que se exala dela).
Ouvimos depois, entre impacientes e incrédulos, a gritaria contra o ministro da Saúde. Chamaram-lhe tudo menos santo. E santo ele não é, tem pecados públicos, é um desorientado nas suas declarações, precisa mesmo de saír do palco e ir descansar uma temporada. No entanto, neste caso específico, creio que não mereceu os insultos. É que, em Portugal, nenhuma lei ordena que os doentes vão para casa nús, ainda por cima em Janeiro, ainda por cima no norte do país. Essa decisão, depois de um diagnóstico apressado e optimista de um médico de serviço, foi tomada por pessoal da enfermagem. Alguém, com uma pedra em lugar do coração, determinou que assim fosse. Fê-lo na maior impunidade porque, pela certa, não houve um superior a inspeccionar. Acreditar que houve supervisão e deixada passar uma desumanidade destas, poderia levar-nos a pensar que o país estaria perdido. Recusamos acreditar que assim seja.
As leis são disposições obrigatórias que garantem o funcionamento justo e regular das sociedades. Abaixo delas, as sociedades têm regras fundamentadas na generosidade, no bom senso, no respeito pela dignidade, em suma, assentes na moral. Muitas vezes as regras não estão escritas por serem óbvios os seus objectivos. Com toda a certeza, naquele hospital, não há uma regra a indicar que os doentes regressam a casa vestidos, porque nunca passou pela cabeça dos responsáveis que alguém pudesse praticar acto tão selvagem.
Quantas falhas idênticas a esta se verificam nos hospitais portugueses? Porquê? Pode ser por muitas razões: pessoal admitido, não por critérios de competência e idoneidade, mas por cunha ou favor partiário, porque passou a grassar no país uma grande onda de permissividade e ganância, e só assim se compreendem os abandonos de idosos por parte dos seus familiares. E por aí fora.
As maldades acontecem com idosos, crianças, mulheres e doentes em geral, porque Portugal está doente e a sua parte sã, cala-se. Não sai à rua, não para gritar nas arruadas das greves mal explicadas, mas para, de olhos nos olhos, pedir a a todos, e a cada um, que parem para pensar, que regressem à bondade, à dádiva, ao amor. Só assim será possível redimir a Pátria espezinhada por aqueles que, com o nome do povo na boca, trataram de governar a vidinha.
A emigração está com os olhos postos na terra distante.

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