terça-feira, fevereiro 03, 2009

O novo partido do outlet

Nos últimos meses tem sido aventada a possibilidade de estar em gestação mais um partido ideológico na chamada “esquerda da esquerda”.

Há com efeito uma receita alemã, criada por Oskar Lafontaine, ainda por experimentar em Portugal. Em Maio de 2005, Lafontaine abandonou o SPD para formar com os ex-comunistas da Alemanha de Leste o chamado “Partido da Esquerda” (Die Linkspartei). A receita permitiu-lhe obter 8,7% dos votos nas eleições federais, mas tem estado a levedar nas sondagens, hoje com 12% a 13% das intenções de voto. Vai daí, a receita acaba de ser traduzida para francês por Jean-Luc Mélenchon, que lança agora o “Parti de Gauche” em dissidência com o PSF. Mélenchon pretende obviamente atrair as mais díspares irmandades das “esquerdas da esquerda” francesa, para conseguir garantir um bom número de assentos no próximo Parlamento de Estrasburgo.

Em Portugal, há uma “esquerda da esquerda” congénere da irmandade de Mélenchon, e que tem estado sobretudo dentro do PS, tal como em França estava dentro do PSF. As receitas dessa “esquerda” que fala português têm estado sob o signo da Alemanha desde o quadriénio de 1969-73. No entanto, e por uma quase atávica limitação linguística que vem desde o século XIX, para que adopte as receitas alemãs, tem o figurino que ser primeiro apresentado em Paris. Ora com o "Die Linke" agora traduzido para francês, já não deve faltar muito para surgir também em Portugal um novo “Partido da Esquerda”.

O que é que se tentará com esse novo partido? Juntar sob o mesmo tecto, em comunhão de mesa, as mais díspares irmandades da “esquerda da esquerda”. Com a crise que aí está, creio que os planos da irmandade do PS português, ávida por mais assentos em Estrasburgo, podem no entanto ainda vir a ser perturbados pelas outras irmandades da “esquerda”.

É muito antiga a irmandade que, nos arredores de Paris, acaba de lançar o “Parti de Gauche”. Tem dimensão europeia e, tal como os seus irmãos portugueses, vem do “socialismo republicano” saído das Luzes e do jacobinismo da Revolução francesa. A tabuleta e o figurino do outlet não enganam: já se vestiram sem coullotes, com cravatte, sem cravatte, com jaquetão de operário e, em Itália, até com camisas negras de tipo militar, quando os “socialistas revolucionários” de Mussolini fizeram a dissidência dos fasci no PS italiano.

Hoje, a moda do outlet é obviamente outra, com figurinos e slogans adaptados a estes tempos do cosmopolitismo financeiro. Nos dias que correm, tanto podem pôr gravata de seda, como enrolar um keffiyeh (lenço palestino) à volta do pescoço, ou ainda sair amarrotados e despenteados para ir à vernissage.

Esta irmandade tem sido um verdadeiro prodígio nas habilidades coreográficas, mas os slogans estão aí e, como a seu tempo se verá, não deverão ser muito diferentes dos alemães e franceses: “fazer prevalecer o interesse geral perante os interesses privados”; “combater o neoliberalismo”; a “economia de casino”; “ousar mudar de sistema”, “civilizar o capitalismo”, etc., etc.

Entre nós, na irmandade que fala português, ainda não há muito tempo se diziam “republicanos, laicos e socialistas”. Os mais calvos e grisalhos, manterão decerto a gravata de seda, e o tique da “ética republicana” e do “laicismo”, mas, pelo novo figurino do outlet, os restantes tenderão agora a usar cada vez menos a gravata e a dizer cada vez mais que são contra o “pensamento único” do “produtivismo capitalista". Para atrair outras franjas, dirão também, é claro, que são contra as “discriminações”, pelo “feminismo”, e pela “urgência ambiental”. Enfim, apresentar-se-ão como sendo a "Esquerda”, com maiúscula - a “Esquerda autêntica”.

Há porém por aqui outras irmandades, forjadas nos “movimentos operários” e nas “tradições revolucionárias" que fizeram viver o movimento comunista. O sucesso da tradução para português do Parti de Gauche, da irmandade jacobina do PS português, vai pois depender da adesão que conseguir obter junto dessas outras irmandades. Nestes novos tempos de convulsão e crise social, há cumplicidades e afinidades geopolíticas - com russos, sírios, palestinos, cubanos, bolivianos, venezuelanos – que não deixarão, a exemplo do que sucede na Alemanha e em França, de ter aqui também o seu papel.

Dir-me-ão que bastará juntar o “Bloco de Esquerda” com os futuros dissidentes do PS, para que a coisa produza uma apreciável quantidade de assentos em Estrasburgo. Sim, mas para se aplicar aqui a fórmula do outlet, terão ainda que lhe juntar ao menos alguma parte do PCP, e da sua base “sindical”, ou o que dela resta. Só então teremos no cadinho os ingredientes da receita alemã, recentemente traduzida em francês.

A continuarem por muito tempo estes dias cinzentos do outlet do Freeport, creio que, lá mais para diante, até mesmo “um novo socialismo científico” é bem capaz de conseguir aterrar no aeroporto da Portela.



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