quarta-feira, maio 27, 2009

Nicolau na madrugada

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

Uma noite destas a falta de sono levou-me a fazer zapping diante da TV, manobra cansativa, diga-se já, que são mais de 100 os canais de que dispomos aqui na cidade. Foi assim que encontrei Nicolau Breyner a ser entrevistado e ali fiquei a ouvi-lo.
Com que gosto o ouvi. Alem de ser um actor que francamente aprecio, conforta-me pensar que, tendo sido um comediante que pôs a rir milhões de portugueses, através do Parque Mayer e da TV, nunca sofreu a decadência de precisar de ser ordinário na esperança de ter graça ou de insultar gratuitamente a religião e os princípios do povo a que pertence por sofrer de indigência artística. É um talento puro e um senhor. Um alentejano de boa cepa e de bom berço.
Deu-me a saudade daqueles loucos anos de 1974 a 1976, com os militares revolucionários de trapinhos juntos com os comunistas a fazerem misérias que até envergonha contá-las, enquanto o verdadeiro Povo Unido fazia barreira àquela mascarada soviética. As figuras que eles fizeram! Quando me lembro de Barreirinhas Cunhal em cima de uma chaimite, no meio de um soldado e de um marinheiro, a sentir-se Lenine ressuscitado, ainda me rio e já lá vão tantos anos... Para o que lhe havia de dar! Em Lisboa, rapaziada de sangue na guelra, de todas as condições sociais, dava largas à boa piada. Quando o ministro Francisco Pereira de Moura, que vinha dos chamados progressistas católicos, fez um discurso desgraçado em que propunha que se chamasse fascista a toda a gente, mesmo aos empregados dos correios quando eles não atendiam logo, a actriz Maria Paula, que oferecia a sua bela voz ao Botequim , de Natália Correia, atirou aos ares uma paródia do Fado do 31 que, qual bicha de rabiar, se espalhou pela cidade: “Ai, olarilolela / Como este não há nenhum / Karl Marx e água benta / Resultado: 31”. E quando começaram as brigas entre o PC e o MRPP, a moda foi o malhão: “MRPP / Sejamos chineses / Que os moscovitas / São uns parasitas / Uns trastes burgueses”. O Otelo saíu em zarzuela: “donde vas taconero e ordinario...”. A coisa ia pela noite dentro e por vezes, aparecia um grupo salazarista a cantar o Hino da Mocidade Portugesa, que logo tinha resposta, e aquilo acabava numa bulha de músicas que a Rita Rolão Preto salvava com folclore da Beira Baixa. Pode julgar-se que era tudo paródia, mas não era. As cantigas de escárnio e mal dizer faziam mossa aos comunistas, que são pessoas sem sentido de humor e sem graça nenhuma.
Uma noite recebemos recado do Nicolau para irmos a um bar perto do Hotel Ritz, porque ele ia lá actuar para nós. O bar era enorme e encheu tão completamente que havia muita rapaziada sentada no chão. O Nicolau pôs-se num plano mais alto e começou a contar-nos a História de Portugal com tanta graça que ninguém parava de rir. A uma dada altura, vozeirou: “28 de Maio de 1926”. E apagaram-se as luzes todas por uns bons minutos. Tudo no escuro como bréu. Uns riam, outros mandavam bocas, todos estavam ansiosos por entenderem a charada. Foi então que se ouviu um estrondo, abriram-se as luzes e o Nicolau disse muito grave, com aquela cara deslavada: “Acabou a longa noite fascista”. Chorámos a rir com essa tirada e com as piadas ao PREC que se seguiram. Entre outras, o povo português tem a virtude de saber rir na cara da desgraça.
Com que pena ouvi o Nicolau dizer, naquela madrugada sem sono, da sua desilusão, do seu cepticismo, do seu repúdio pela partidocracia que se instalou para desgraça da nossa terra. É que não está sózinho, estão com ele milhões de portugueses, dentro e fora do país, profundamente tristes e revoltados com o que maus políticos, maus jornalistas, maus banqueiros e maus magistrados têm feito de mal à nossa Pátria.
Mas Nicolau Breyner não cruzou os braços e menos ainda os deixou caír. Ele ainda acredita que podemos livrar Portugal desta teia de aranha venenosa. E, mais uma vez, não está sózinho. Estamos todos com ele.

terça-feira, maio 12, 2009

Corrupção e Justiça

por Fernanda Leitão

Não adianta disfarçar: estamos todos muito mal dispostos com o rebentar do abcesso da corrupção no nosso país e naquele bloco de interesses a que se convencionou chamar Civilização Ocidental.
É que, não há muitos anos ainda, a corrupção era, para nós, um fenómeno deplorável que existia em África, na América Latina e em alguma Ásia. Não era connosco, não podia ser connosco, porque nós tínhamos uns pecadilhos, uns desviozitos. De facto, não há maior cego do que aquele que não quer ver, porque a corrupção não cresceu de repente, não se tornou um furacão do dia para a noite.
Há quantos anos sabíamos todos de histórias feias passadas empresas, certos ministérios, algumas instituições, incluindo a banca? O que aconteceu à maior parte dos prevaricadores? Foram absolvidos por má investigação e consequente falta de provas, assim como por má legislação. Com o passar dos anos, tomou raízes a impunidade e o descaramento. Trinta e cinco anos de facilitismo, de deixa andar, de vista grossa, deram neste lodo de país e de mundo.
A corrupção tem a ver com o ser humano. O corpo corrompe-se quando a vida o abandona. O carácter corrompe-se quando os valores morais abandonam a alma. E foi o que aconteceu: Deus passou a ter o nome de Dinheiro, Valor passou a chamar-se Astúcia, Progresso de Todos dá agora pelo nome de Ganância de Alguns, Trabalho foi substituído por Golpada .
Esta nódoa alastrou em todas as sociedades do mundo ocidental, acompanhada de violência, crime, desemprego, pobreza.
Aqui chegados, se hoje queremos distinguir um país do Primero Mundo de um outro do Terceiro Mundo, só temos de apurar em qual deles a Justiça funciona com rapidez, com legislação inteligente e adequada, com isenção e firmeza, de fácil acesso a todos sem excepção. Porque, havendo corrupção em toda a parte, a esperança só tem lugar onde houver Justiça digna desse nome.
Estas são as duas tremendas batalhas que Portugal enfrenta: Justiça e Educação.