segunda-feira, julho 12, 2010

A nódoa

CARTA do CANADÁ

por Fernanda Leitão

Sabemos o que acontece quando deixamos caír um pingo de gordura num papel ou num pano: o pingo agiganta-se e, rapidamente, alastra a toda a superfície. O papel e o pano sujam as mãos de quem lhes pega.

Acontece o mesmo com a corrupção, e é por isso que pessoas e países devem cortar-lhe o passo atempadamente e sem contemplações. As pessoas, em geral, nem dão pela corrupção feita através da “cunha”, essa que favorece uns menos habilitados e fecha à porta aos que, de facto, trabalharam e se prepararam. Nem realizam que, ao trapacearem os impostos, estão a prejudicar toda a vida pública. Nesta toada de permissividade, de ausência de espírito de justiça e de solidariedade com os cidadãos do nosso país, a coisa pública acaba por ficar empapada de esquemas, de trocas e baldrocas, até se chegar ao tráfico de influências, às inacreditáveis cambalhotas da justiça em certas ocasiões de compadrios e de um nepotismo nauseabundo que é capa e cobertura de parentes e afilhados. Fica tudo sujo e indigno de confiança, de cima a baixo do país. Vou dar um exemplo.

Uma ocasião, numa vila de província onde não ia há anos, deparei-me com uma soberba mansão, rodeada de jardim com piscina. Perguntei de quem era e responderam-me que era de Fulano, funcionário das Finanças. Pensei que lhe tinha saído o euromilhões. Que não, explicaram, Fulano só cobrava uma nota a cada pessoa, geralmente do meio rural, que ia à repartição tratar de papelada. E era muito severo nisso. Se a pessoa ia tratar de dois documentos e lhe estendia uma nota, ele cortava cerce: “meu amigo, eu durmo entre dois lençóis”. E assim por diante. Tudo isto na maior impunidade, com conhecimento de autarquia, do pároco e tutti quanti. E compreende-se, porque os exemplos vêm de cima e logo num país em que a coisa pública é coutada privada dos figurões dos partidos que se alternam no poder: ontem comias tu, agora como eu.

Dito isto, acrescento que não fiquei surpreendida com o escândalo que tem rolado nos jornais à roda de uma viagem ao Canadá, de 5 dias, paga pelo governo dos Açores à mulher do seu presidente e dois assessores. Atirou para mais de 27 mil euros e a coisa pública regional acha que valeu a pena, porque foi para honrar uma qualquer institutição feminina na província de Manitoba.

Houve quem fizesse as contas pelo muito alto e não atingiu essa soma. Chego a pensar que estes turistas da política tomaram banho em champagne ou perderam a tramontana nas compras. Mas uma coisa é garantida: pagámos nós todos. Deus sabe como há desemprego e situações de carência nos Açores. Também há medo de falar alto, como pude verificar quando por lá passei, já na vigência do actual governo: criticavam em voz baixa, contavam casos, desabafavam o medo de perder o emprego e de serem perseguidos.

Parece que é a isto que a rapaziada fina do politicamente correcto chama de défice democrático, também ela com medo de chamar os bois pelos nomes. A mulher do presidente, seja ele do Governo Regional, do Governo da República ou mesmo do Presidente da República, não tem direitos especiais consignados na constituição. Por isso não fica bem, é mesmo mal, atribuir-lhe funções públicas na área do governo, e é o caso dos Açores, ou pagar-lhe seja o que for com dinheiros públicos. A senhora em questão é uma pessoa de bem, mas foi imprudente ao aceitar ambas as coisas. A mulher de César não tem apenas de sê-lo, tem de o parecer. É dos séculos e dos livros.

Repito: não fiquei surpreendida. E tenho pena. É que já há anos ando a observar os gastos, largos e disparatados, da Direcção Regional das Comunidades. Tem sido um forró, para gáudio e benefício de penduras. Ainda há pouco tempo pagou a uma pendura continental que vive no Canadá para ir a Vancouver e à Califórnia “estudar as Festas do Espírito Santo”!!! São inúmeras as vezes que tem esbanjado meios e dinheiro a intrometer-se no ensino da língua portuguesa, que é domínio do governo da República, sem ao menos reparar que se contam pelos dedos as crianças de origem açoriana que frequentam as escolas de português. Fazia sentido, isso sim, investir na pesquisa desse fenómeno e tentar invertê-lo, assim como o abandono escolar na adolescência. Preferem, no entanto, atirar milhões ao ar como os novos ricos do volfrâmio, esses que acendiam charutos em notas de conto. Será bom para a propaganda a curto prazo, mas ao fim e ao cabo práticas destas desmoralizam o povo e empobrecem o país.

Em resumo: a corrupção em Portugal tem de ser debelada como uma doença contagiosa.