terça-feira, agosto 16, 2011

Duas notas do diário de J. F. Rivera Martins de Carvalho


13 de Junho de 1964

«O integralismo era obrigado a escolher entre diferentes tradições».

A crítica de R. P. (1) acerta em cheio. Aliás, já há cerca de quinze anos o escrevi (num caderno).
A minha ideia de então era, se bem me lembra, a de que a História servia sobretudo para esclarecer a essência profunda de cada instituição – Assim teríamos para estudarmos o Município, que determinar qual a tradição municipal; assim, nos sindicatos; assim, na Universidade - sem nunca se poder excluir um período qualquer por não ser espontâneo (iluminismos, liberalismo, república). Para bem ou para mal, todos os períodos históricos conformaram os «factos» de hoje — e são eles que interessa apreender.
Aliás, fazer remontar o estrangeirismo a Renascimento, como o faz P. Rebelo (2), é provar por absurdo que o caminho está errado. Desvios à tradição datados de há quatro séculos são também uma tradição.
E porquê o Renascimento? Porque não os legistas da escola bolonhesa, cheios de noções «imperiais» do poder régio, tão alheio às tradições godas e feudais? Teríamos recuado quase um século e meio em relação ao Renascimento mas teríamos também «excomungado» João das Regras e as Ordenações Afonsinas...
*
Mas a esta luz que fica do Integralismo?
A esta luz, o IL (3) foi o primeiro movimento político português que foi Monárquico, isto é, que defendeu conscientemente a verdade política do princípio do poder pessoal de um rei hereditário.
Foi o primeiro movimento político português que defendeu conscientemente a primazia do facto sobre a ideologia, a primazia da natureza social sobre os sistemas.
Foi o primeiro movimento político português que acusou os defeitos do parlamentarismo sem lhe opor como alternativa o domínio totalitário de uma ideologia oficial, ou o poder pessoal de um César; que buscou realizar a necessária eficácia do governo, procurando não lhe sacrificar as liberdades individuais, nem a genuinidade da representação nacional.
A esta luz o Integralismo está hoje tão vivo como há 50 anos.
É a esta luz-que sou integralista.

(1) Raúl Proença 
(2) Pequito Rebelo 
(3) Integralismo Lusitano


  • Rivera Martins de Carvalho in Diário Político e outras páginas. Biblioteca do Pensamento Político, 1971.

José Fernando Rivera Martins de Carvalho (1927-1964)

José Fernando Rivera Martins de Carvalho nasceu em Madrid a 14 de Maio de 1927, mas logo com 15 dias, veio viver para Portugal.
Licenciou-se em Direito com 19 valores, na Universidade de Lisboa, em 1949. Especializou-se em Direito Internacional em Cambridge e Milão.
Exerceu a advocacia durante dois anos. Foi director geral do Banco Português do Atlântico desde 1959.
Casou em 26 de Setembro de 1959 e teve três filhos.
Faleceu num acidente de aviação, perto de Braga, a 15 de Agosto de 1964, com 37 anos de idade.
A sua acção religiosa desenvolveu-se nas Conferências de S. Vicente de Paulo na J.E.C. (de que foi Presidente Geral) e na revista FLAMA, de que foi um dos fundadores.
No plano científico, devem-se-lhe valiosos estudos jurídicos e económicos dispersos por revistas e jornais portugueses e estrangeiros.
No plano cultural, foi um dos fundadores da Juventude Musical Portuguesa e do Centro Nacional de Cultura (a que chegou a presidir) e publicou, sob o pseudónimo de José Pinto de Miranda, numerosos artigos de crítica musical e alguma obra poética.
No campo da Política, foi dos mais assíduos colaboradores da “Cidade Nova”, participou em actividades do Centro de Cultura Popular e pertenceu-lhe a iniciativa e o principal esforço organizador do Instituto António Sardinha.
À terra dos seus avós — Cinfães — dedicou grande parte do seu espírito de servir.

(Da badana do livro póstumo “ Diário Político e outras páginas” – Biblioteca do Pensamento Político, 1971.)

terça-feira, agosto 02, 2011

Burra me confesso


CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

            No tempo em que era primeiro ministro,  Cavaco Silva acabou com a agricultura e as pescas em troca de ficar sentado em cima de uma pipa de massa vinda daquele clube que deu origem à  União Europeia. Muitos lavradores e pescadores foram pagos  para não exercerem  a sua arte. Foram queimados barcos e as terras ficaram  ao abandono,um pouco  por toda a parte.  O  mato cresceu desarvorado entre pinheiros.  A desertificação  do interior do país aconteceu. Foi o  tempo em que os portugueses que não emigraram começaram a consumir frutas e vegetais vindos de Espanha e outros países da Europa, enquanto iam mirando autoestradas por todo o território, asfalto a dar com um pau  e paquidermes arquitectónicos que o tempo viria a transformar em armazéns de cultura.  Ou nem por isso.
     Agora,  catapultado a venerando no Palácio de Belém,  Cavaco  Silva desdobra-se em apelos ao regresso à agricultura,  à floresta  e às pescas,  sublinhando de modo dramático  a urgência do repovoamento das muitas aldeias abandonadas.  Não  evocou as suas posições passadas  por amor à coerência: é que veio ao  mundo  com o glorioso destino de nunca ter dúvidas e nunca se enganar.  Assim  o declarou urbi et orbi  e o povo, sereno,  compreende.
     No tempo em que era primeiro ministro,  Cavaco Silva acabou com  o escudo e entronizou o euro  por entre hossanas e aleluias  à  União Europeia. Sem reticências,  preocupações ou dúvidas. E sem perguntar aos portugueses se queriam  a nova moeda.  Agora,  sempre coerente, corajoso e oportuno,  critica a União Europeia e louva as moedas nacionais que se podiam desvalorizar em função de interesses de mercado internacional.
     Passos Coelho e os seus amigos deitaram abaixo  o governo anterior e gritaram por socorro à troika porque, afirmaram,  Portugal estava de cofres vazios, à  beira da bancarrota. Os portuguses decidiram acreditar. O  governo aceitou a imposição de vender os anéis para que salvemos os dedos.  A primeira venda foi o BPN, aquele banco que nos tem custado os olhos da cara, defraudado por um gang democrata e social, que parece herdar a mesma impunidade dum outro, o da Caixa Económica Faialense,  que no  tempo de Cavaco Silva desgraçou milhares de emigrantes em França e no Canadá.  Os portugueses acharam boa ideia vender o trambolho pelo melhor preço. Apareceram  dois grupos interessados que pagavam  mais de cem milhões de euros e garantiam os  postos de trabalho.  O governo vendeu por 40 milhões, aceitando que seriam despedidos mais de 700 trabalhadores e  assumumindo os custos desses despedimentos, a um banco angolano de que é   representante em Portugal  um social  e democrata com grande traquejo de governo em tempos idos de farta  estrada e abundante betão.
     Não  percebo nada disto.  E a culpa é só minha, sou eu que sou burra.